Supermercados rumo ao lixo zero: os desafios da mudança de embalagens e redução de desperdícios

Esse é um dos temas que vem ocupando o trabalho da Casa Causa nos últimos tempos. Afinal, é nos supermercados que fazemos nossas escolhas de consumo, é ali que acabamos adquirindo grande parte do plástico que entra em nossas vidas. E lá buscamos o alimento perfeito ou o novo ingrediente, somos seduzidos pela nova fragrância ou por aquele café recomendado pelo chef da moda. Mas há um novo tipo de consumidor entrando em cena e as evidências inegáveis da emergência climática, como as chuvas catastróficas que tem atingido Belo Horizonte e São Paulo nos meses de verão, abrem os olhos de cada vez mais pessoas para uma questão latente: tecnologias e obras de engenharia não resolverão nossos problemas . Eles passam por uma grande revisão de como vivemos, consumimos e fazemos negócios. Os supermercados são um foco importante dessa mudança.

Desperdício de alimentos: um quadro desolador

Comecemos então pelo desperdício de alimentos. Em artigo altamente informativo, a Ecocircuito resumiu um pouco do painel sobre o tema que aconteceu na última SP Tech Week e contou com a mediação da nossa sócia, Flávia Cunha, além de outros atores dessa área que respeitamos muito, como Save Add e Banco de Alimentos.

Todos os anos, mais de 40 milhões de toneladas de alimentos vão parar no lixo – isso representa metade de todos os resíduos produzidos no país. Esse desperdício, de acordo com a FAO Brasil – a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura -, acontece em todas as etapas do processo, sendo nossas casas e os supermercados os responsáveis por 10% desse total.

De acordo com a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), o prejuízo das empresas do setor em decorrência do desperdício de alimentos é maior que R$ 7,2 bilhões. Já o IBGE aponta que, com o volume de alimentos desperdiçado diariamente no Brasil seria possível alimentar 25 milhões de pessoas – 5 vezes o volume de brasileiros que convivem com a fome.

Para completar esse cenário, prefeituras como a de São Paulo ainda não estimulam a separação dos resíduos orgânicos (restos de alimentos), que representam mais da metade dos resíduos domiciliares. Assim, esse material acaba contribuindo para a saturação dos aterros sanitários. No caso de São Paulo, estima-se que o aterro de Caieiras possa atender apenas mais 8 anos de resíduos da cidade.

Da esquerda para a direita: Herberto Bergmann, do Banco de Alimentos; Salvador Iglesias, da SaveAdd; Flavia Cunha, da Casa Causa e Eduardo Prates, faz o Ecocircuito no painel realizado na SP Tech Week 2019.

Da esquerda para a direita: Herberto Bergmann, do Banco de Alimentos; Salvador Iglesias, da SaveAdd; Flavia Cunha, da Casa Causa e Eduardo Prates, faz o Ecocircuito no painel realizado na SP Tech Week 2019.

Caminhos do combate ao desperdício

Não é tão simples, mas é possível.

Alguns fatores são fundamentais no caso dos supermercados:

1.     Considerar como custo não apenas o valor pago pelo alimento, mas também o que se deixa de ganhar ao não vende-lo. Esse ponto foi levantando por Salvador Iglesias, da Save Add no painel. É preciso mudar a mentalidade de gestão para contabilizar o impacto real da perda dos alimentos. Isso vai tornar mais evidentes os benefícios do não desperdício e das soluções de processamento, como a compostagem e a biodigestão.

2.    Investir numa nova política de doações, evitando que o alimento em condições de consumo vá para aterro sanitário. Para isso existem projetos como o Banco de Alimentos, representado no painel por Herberto Bergmann, ou o Comida Invisível, que recentemente lançou seu aplicativo onde qualquer pessoa ou estabelecimento pode encontrar um interessado na doação, fazendo um match entre doador e receptor. Esse é um dos caminhos que a Casa Causa está percorrendo com a Casa Santa Luzia, na sua trajetória de combate ao desperdício: ampliar o número de doações para saber exatamente qual o volume real a ser processado como composto.

3. Estimular um olhar generoso para os alimentos imperfeitos. Tanto consumidor quanto supermercados tendem a descartar frutas e legumes fora de padrão. Então é necessária a busca de uma nova estética dos alimentos, hoje é dificultada por regulamentações como a nova portaria do Ministério da Agricultura. Ela estabelece que sejam descartados produtos sujos e/ou com anomalias visuais, como por exemplo cenouras “duplas”, que são relativamente comuns. O Natural da Terra , por exemplo, estabeleceu um local da loja onde esses produtos podem ser retirados sem custo ou com uma contribuição simbólica para uma ONG.


O Fruta Imperfeita entrega cestas de alimentos para padrão direto na casa de seus clientes.

O Fruta Imperfeita entrega cestas de alimentos para padrão direto na casa de seus clientes.

4.    Finalmente, o uso de tecnologias de biodigestão e compostagem, como a da Ecocircuito ou da Morada da Floresta podem atuar no final do ciclo, transformando em adubo ou biofertilizante os alimentos que precisam de fato ser descartados. O que é da terra, volta para a terra.

Embalagens de plástico. É possível reduzir seu uso e zelar pelo seu encaminhamento.

Outro problema que temos ajudado nossos clientes a encarar é o excesso de plástico nos supermercados. Segundo pesquisa da WWF lançada em 2019, a humanidade joga no mar um peso que equivale a 60 Boeings diários desse material. Serão mais de 104 milhões de toneladas de plástico poluindo nossos ecossistemas até 2030 se nenhuma mudança acontecer na nossa relação com o material. E esse volume cresce, na medida em que a população cresce e a necessidade de aumentar a durabilidade dos alimentos também.

O plástico, um material inerte que ajuda no processo de conservação e tende a ser barato, tem sido a primeira opção. Além dele, o poliestireno expandido ou isopor, que também tem como base o petróleo, é onipresente em nossos supermercados.

O desafio da substituição não é pequeno. Afinal, desperdiçar alimentos, como vimos, também é insustentável e “desembalar” esbarra em questões de durabilidade e também em regulamentações. Os alimentos orgânicos, por exemplo, não podem ser armazenados próximos dos não orgânicos devido ao risco de contaminação cruzada.

Pesquisa, testes de durabilidade e da aceitação do consumidor, mudanças no design. Esse é um caminho que está sendo seguido por diversas redes onde se começa a verificar a presença de embalagens como a da Tamoios, que além de ser feita de material reciclado, e também reciclável, fechando o ciclo no melhor estilo da economia circular.

Como no caso do desperdício, essa substituição passa por uma mudança na cultura empresarial e no comportamento do consumidor. Apesar do incômodo progressivo com a presença do plástico, para grande parte da população esse tipo de embalagem está absolutamente normalizada. É simplesmente o que se espera.

Os supermercadistas, por outro lado, precisam investir em pesquisa de fornecedores e design de embalagens para que essa mudança aconteça sem prejuízo à conservação dos alimentos. Os custos que essas pesquisas implicam precisam ser considerados. Algumas soluções ainda não existem, ou não estão presentes no mercado nacional, porém a tendência mundial é clara: supermercados com muito menos embalagens plásticas ou até sem plástico.

Food in Nude é o nome da campanha da Nova Zelândia pelo fim do uso de plásticos para embalar alimentos frescos.

Food in Nude é o nome da campanha da Nova Zelândia pelo fim do uso de plásticos para embalar alimentos frescos.

Finalmente, é importante lembrar o papel do varejo de alimentos no recebimento e correto encaminhamento dos resíduos que podem ser reciclados. O maior programa hoje na cidade de São Paulo, existente já há 13 anos, é o do Pão de Açúcar em parceria com a Unilever, que conta com o apoio de cooperativas para triagem e venda e complementa os pontos de entrega voluntária oferecidos pela prefeitura.

A rede Makro já tem parceria com o Molecoola em algumas de suas unidades. É o Caso do Makro da Lapa, que abraçou esse programa de fidelidade ambiental. Ele gera, além de benefícios ao meio ambiente e ao consumidor que quer tratar de forma consciente seus resíduos, uma fidelização às marcas patrocinadoras e à loja onde os pontos podem ser trocados por produtos. Veja o vídeo que gravamos sobre este tema no nosso canal do You Tube.

Um ponto em comum: engajamento é a chave para a sustentabilidade nos supermercados

A complexidade da operação de varejo faz com que essa afirmação seja verdadeira. Expedição, estoque, fundo de loja, áreas de produção e manipulação de alimentos; o uso do plástico vai muito além do que o consumidor pode ver quando faz suas compras.

Para atuar em todas as frentes, a estratégia da Casa Santa Luzia tem sido o treinamento massivo de seus colaboradores e a formação de uma comissão multidisciplinar incluindo compras, produção, FLV e marketing, entre outras.

É preciso que cada área olhe para si mesma, localize os desperdícios e o uso excessivo de embalagens de plástico e avalie, demandando soluções específicas para as áreas de compras ou prevenção de perdas, por exemplo. Este é o caminho que a Casa Causa tem apoiado, já que combina o olhar de gestão responsável com uma visão de baixo para cima em que as soluções podem vir também dos colaboradores.

E os clientes? Sim! Escutar os clientes é fundamental e necessário. A diferença é que neste momento de emergência, não basta dizer "o cliente tem sempre razão". Ele muitas vezes não sabe qual é a solução, o que é muito técnico e deve ser pensado, levando-me a considerar como diversas regulamentações que regem os negócios do varejo de alimentos.

Causar nesse segmento é uma enorme responsabilidade, mas a boa notícia é: temos cada vez mais atores e soluções emergentes. Estamos felizes em apoiar e causar com as redes que querem fazer essa mudança.